“Essa história foi originalmente publicada como parte do projeto Plataforma Global de Justiça Climática”
Meu nome é Júlio Fessô, líder comunitário, nascido e ainda morador do Morro do Papagaio – Belo Horizonte/MG. Desde muito novo, sempre trabalhei. Carreguei água na lata pra encher tambor, juntei ferro velho, catei lavagem, e estudava nas horas vagas. Brinquei muito também. Com 17 anos comecei a fazer uso prejudicial de substâncias psicoativas, e passei umas temporadas na cadeia, onde eu tive um contato maior com a agricultura, pois, em algum momento eu estive preso numa penitenciária agrícola. Trabalhei na horta e no jardim. Quando passou essa fase, eu saí da tranca com o objetivo de transformar positivamente a Favela, a partir de ações e projetos de impacto social voltados para as juventudes.
Criei Movimento Eu Amo Minha Quebrada em 2013, quando entendi que era preciso apresentar pras pessoas a Favela como ela é de fato, e não da forma pejorativa e estereotipada que a grande mídia mostra. Tudo iniciou com uma oficina de fotografia com adolescentes. O objetivo era que esses adolescentes tirassem fotos dos lugares legais na Quebrada e escrevessem textos dando informações sobre o local. Posteriormente, esse material seria postado nas mídias sociais. Com o tempo, o movimento foi crescendo e aí passamos a promover diversas ações e projetos, em várias áreas, sempre envolvendo os adolescentes. As pessoas dizem que não é possível fazer tudo ao mesmo tempo, e eu concordo. Porém, dá pra fazer um pouquinho de tudo o tempo todo. Com dedicação, empenho, organização e apoio, as coisas acontecem. Vamos descobrindo também novas lideranças, jovens e adultos.
E como o Eu Amo Minha Quebrada entrou nessa parada do Clima?
Nascido e criado no Morro do Papagaio, sempre fui um crítico em relação ao descarte de resíduos dentro da Comunidade. A partir das oficinas de fotografia, pude perceber que o problema era maior do que imaginava, e então, decidi levar as discussões relacionadas ao meio ambiente para dentro da Quebrada. Isso porque, pelo menos para nós do Morro do Papagaio, por mais que sejam antigas as discussões referentes ao clima, o assunto era só como mais uma simples notícia na TV.
Nessas discussões sobre meio ambiente, sempre focamos em como tudo é interconectado: o lixo que produzimos não somente polui o planeta e ameaça a nossa saúde, ele também entope os bueiros e faz com que os alagamentos ocorram de maneira mais rápida quando as chuvas acima da média chegam no verão. E as chuvas não estão acima da média por um simples acaso do destino, mas por causa das mudanças climáticas causadas pela queima de combustíveis e pelo uso que fazemos da terra nos nossos modos insustentáveis de produção.
A gente sabe que quem mora numa Favela num país como o Brasil está entre aqueles que contribuíram menos para a atual crise climática. O consumo energético de alguém que mora no Brasil é 6 vezes menor que alguém que mora nos Estados Unidos, na média – agora tenta fazer essa conta considerando as desigualdades de acesso à energia elétrica aqui no país. Mas somos nós que vamos sofrer primeiro e com mais força as consequências dessa crise: quando chover ainda mais e mais forte, vai ser por aqui que a água vai subir primeiro ou o morro vai deslizar com mais força. Quando a seca bater na porta, vai ser por aqui que a água vai faltar na torneira primeiro, e que o aumento do preço da luz e dos alimentos vai afetar mais famílias. E vai ser por aqui que a ajuda vai chegar por último.
Mas informação é poder, e saber sobre tudo isso garante com que a gente possa lutar por justiça – climática, social, econômica. E faz com que a gente possa, também, tomar para nós mesmos a responsabilidade de solucionar o que está ao nosso alcance. É por isso que no mesmo ano de 2013 iniciamos uma campanha de conscientização que perdura até hoje: “SE O LIXO É UM PROBLEMA, NÓS SOMOS A SOLUÇÃO”. Esse título foi escolhido porque o lixo não brota, ele é produzido e dispensado por nós.
Ação “Recicla Kids na Quebrada” Crédito da foto: Júnia Morais.
Desde então, busquei me aprofundar ainda mais nesses temas, e hoje estou aqui, pra falar para vocês que de 2013 pra cá tivemos uma mudança considerável. Meu foco principal é trabalhar a educação ambiental, buscando conscientizar a comunidade como um todo, sobre a importância de nos unirmos em favor do meio ambiente. Por isso, sigo em busca de mais conhecimento e parcerias que me ajudem a transformar a realidade da Periferia.
Além disso, é um momento para lembrar a importância do uso sustentável da água, reutilização da água da chuva em irrigação de plantas, descargas, limpeza do chão, etc., e a urgente necessidade de conservação dos ambientes aquáticos, evitando poluição e contaminação. Também há o incentivo para que a galera da Quebrada, não descarte o óleo de cozinha usado, nas pias e ralos. Pois, além de contribuir com a preservação do meio ambiente, é possível trocar por produtos de limpeza ou até vender, para complementar a renda.
Meu sonho é ver hortas comunitárias na Quebrada! Hortas verticais, horizontais, telhados verdes. As casas captando água da chuva e produzindo energia solar. Os lavatórios das casas acoplados às caixas de descargas. E por fim, os resíduos sendo tratados cada um da forma que lhe é devida. E assim, vamos ter uma Quebrada sustentável – que reconhece, respeita e atua na defesa do meio ambiente, e nos oportuniza qualidade de vida. Como eu disse acima: é um sonho, e estamos acordados para realizá-lo.
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